sábado, 7 de dezembro de 2019

SEU GALDINO SE EMPREGA COMO ZELADOR NOTURNO DO CEMITÉRIO SÃO SEBASTIÃO EM MOSSORÓ

Por José Mendes Pereira

Em anos bem distantes seu Galdino Borba(gato) fora um dos que trabalhava no cemitério São Sebastião de Mossoró. Dizia ele que qualquer emprego assumido com responsabilidade é sem dúvida, honrado. Muitos dos brasileiros sentem vergonha quando estão ocupando funções que ganham pouco, e que não é visto como um emprego social, mas na verdade, qualquer trabalho é digno de respeito. Não importa qual seja, mas tudo é bem-vindo para quem está desempregado. O pior mundo do mundo é não ter para onde ir ao se levantar pela manhã, sem destino, filho chorando com fome e não ter alimento para matar-lhe a fome.
Seu Galdino foi convidado para trabalhar no cemitério pelo então prefeito de Mossoró Rodolfo Fernandes de Oliveira Martins, o homem que, mesmo não sendo filho de Mossoró, cuja cidade de origem é Portalegre no Rio Grande do Norte, com muita determinação, combateu o famoso e sanguinário capitão Lampião em 13 de junho de 1927.
Ali, na várzea da propriedade do seu Leodoro Gurmão pela manhã, numa tirada de olhos da carnaubeira para a fabricação de vasouras domésticas, seu Galdino conversava com seu Leodoro sobre o tempo que passou como empregado do cemitério, o que viu lá dentro nas noites que eram obrigações suas. Seu Galdino principiou a sua conversa dizendo assim:
- Compadre Leodoro, eu nunca fui homem frouxe como o senhor sabe disso, mas o tempo que tentava me fazer medo foi o período em que eu era funcinário do cemitério São Sebastião de Mossoró.
- Oh xente compadre, o senhor nunca me falou que tinha sido empregado do cemitério...!
- Compadre Leodoro, - atalhou seu Galdino - eu não tinha falado porque eu pensei que o senhor sabia da minha passagem por lá, mas a oportunidade é esta de lhe contar o que eu vi dentro daquele cemitério.
- Sim senhor! - Fez seu Leodoro.
- Quase todas as noites, após às 12 horas eu ouvia muitos alaridos. Crianças escandalosamente chorando e chamando por mamãe. Mamãe, eu quero comer! Eu estou com fome, mamãe...! Velhos pedindo ajudas porque estava apanhando de filho, mulheres parindo e pedindo médicos pelo amor de Deus!
- Minha nossa Senhora! - Admirou-se seu Leodoro.
- Jovens gritando - continuava seu Galdino - e correndo pelas catacumbas que pareciam que estavam fugindo de alguém que tentavam matá-los. Esqueletos andando por entre as covas. Padres rezando missas. Pastores abençoando os túmulos. Bêbados deitados sobre os túmulos e pedindo para voltarem para suas covas, gritos de lobisomens que fazia qualquer vivente se tremer.
- Que tristeza...!
- Sim senhor! Ao anoitecer quem ficava lá tinha que fazer vistoria para ver se não tinha alguém por lá. E já que não tinha ninguém por lá, aqueles alaridos eram as almas dos defuntos.
Seu Leodoro não duvidava do que estava ouvindo, porque certa vez contara seu pai que também fora vigia de um cemitério, e uma vez nas altas horas da madrugada presenciou dois corpos sem cabeças em braceadas disputando um túmulo, só porque cada um queria aquele lugar para tirar uma soneca durante toda noite.
O mais interessante que contara seu Galdino foi sobre os ex-cangaceiros Colchete e Jararaca. E sem muita demora, iniciou:
- Duas almas de dois mortos que me fizeram medo foi quando eu me encontrei com os ex-cangaceiros Colchete e Jararaca. Os cabelos subiram de vez, porque eles não só amedrontavam verbalmente como engatilhavam os seus fuzis em minha direção, dizendo que iriam atirar em mim. Nessa madrugada eu quase que desisti do emprego, porque os dois me seguiam para onde eu ia. O perverso Jararaca apontava o lugar que fora enterrado e ainda me dizia: “ – Vocês foram covardes de não terem lutado comigo corpo a corpo e me mataram sem nenhuma chavce de defesa”
- O homem era mesmo valente, compadre Galdino?
- E bote “valente” nisso, compadre Leodoro! O facínora me chamou para lutar com ele veja bem o que ele me propôs, dava-me uma chance. Eu com o meu facão e ele sem nada nas mãos.
- Que homem bravo, compadre!
- Como eu não aceitei a sua proposta ele o outro desapareceram num piscar de olhos. Após isso eu fui procurar um lugar para tirar uma soneca sobre um túmulo, e ao passar numa catacumba deteriorada, isto é aberta, olhando bem, vi dois olhos arregalados dentro do túmulo.
- E o senhor imaginava quem era?
- Era os olhos do Jararaca que se escondia por ali. E quer saber o que foi que eu fiz, compadre?
- Quero, sim senhor!
- Num descuido dele eu que já estava com um punhado de areia na mão quando ele tentou olhar pra mim, meti a areia nos olhos dele e fiz carreira.
- Ele, o que dizia?
- Cegou-me, seu peste!
- O senhor é corajoso mesmo, enfrentar dois cangaceiros, além do mais, mortos.
- E eu brinco! Foi um dos maiores aperreios que passei como zelador do cemitério. No dia seguinte eu pedi demissão de lá. Deus me livre de mais cemitério! Eu só vou pra lá porque o morto não tem querer, mas eu queria me enterrar em qualquer canto, menos em cemitério.
Leitor, é só uma brincadeirinha com os compadres Jararaca e Colchete.

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