sexta-feira, 29 de novembro de 2019

SÓ COMO ARQUIVO - CADÊ O JOÃO MALAMANHA QUE NÃO VEM ACOMPANHANDO O ENTERRO?


Por José Mendes Pereira

Cadê o João Malamanha que não vem acompanhando o enterro? Esta era uma das perguntas feita no meio daquela gente que acompanhava um fúnebre. 

Ninguém em Mossoró participava de enterro mais do que ele. Se ouvisse falar que alguém tinha falecido fechava a sua oficina mecânica,  e com o anão Leandro, seu ajudante de mecânica, os dois se abalavam para presenciar a tristeza dos que ficaram, o choro das pessoas, as lastimações da viúva, dos pais, dos irmãos, a missa de corpo presente, a conversaria do povo amigo e principalmente, tomar um cafezinho ou uma pinga em um bar mais próximo do velório.

Apesar da sua honrosa fama de valentão, perverso, grosseiro ao estremo, mas o João Malamanha tinha um coração brando e amável  para aquele que  vestia o seu paletó de madeira e se mandava à procura da casa do Senhor Deus. E até diziam em boca miúda que quando ele se encostava ao caixão ficava falando com o morto, aconselhando-o, que nunca mais voltasse ao chão terrestre. Ficasse por lá mesmo para não atazanar quem por aqui ficou. 

E parece que era mesmo verdade. Alguns mortos que ele não tinha os acompanhado até o cemitério, às vezes, apareciam as pessoas. E se isso acontecesse, a cidade toda logo dizia: “Só está aparecendo porque o João Malamanha não foi ao seu enterro”.

Devido o seu agigantado tamanho o homenzarrão era visto de longe em caminhada fúnebre. Se o caixão fosse colocado em túmulo ele participava ajudando o coveiro, levando o caixão para dentro da urna. E se o morto fosse enterrado em cova rasa, de costume, a primeira pá de barro sobre o infeliz seria  colocada pelas suas deformadas mãos.

Aquela tradição de ser ele quem colocava a primeira pá de areia sobre o caixão ninguém nunca havia protestado. E quem era doido, besta ou tolo para criar uma minúscula confusão com um homem deformado e fora dos padrões humanos? Deus que tivesse dó de quem se atrevesse desafiá-lo. O menor castigo que o desafiador iria sofrer, seria um malvado cocorote de afundar a carapuça da cabeça cabeluda. E adeus, provocador!

Costume é costume. Até o enterro do ex-governador do Rio Grande do Norte Jerônimo Dix-sept Rosado Maia, falecido no Estado de Sergipe  em Aracaju, em 12 de julho de 1951, a causa, desastre aviatório, ele também presenciou. O do famoso religioso mossoroense Luiz Ferreira da Cunha Mota o “Padre Mota” em  27 de agosto de 1966, que foi sepultado na  Catedral de Santa Luzia de Mossoró, o João Malamanha lá estava, e deu uma ajudinha ao coveiro no momento de colocar o caixão na cova rasa. Um enterro que aconteceu em 1962, e que de forma alguma ele podia faltar, porque eram amigos de serenatas, foi o do Cocota, irmão dos componentes do Trio Mossoró. João Malamanha chorava como criança e deixou todos os presentes de boca aberta, só porque o deformado homem era macho todo, e por último, estava chorando, quando é de conhecimento de todos que homem não chora. No velório da professora e juíza de futebol Celina Guimarães Viana a primeira mulher mossoroense a votar, ele não faltou, também estava presente.

Um dia o João Malamanha faltou no meio daquela gente que acompanhava um enterro. O homenzarrão já era conhecido por todos como assíduo acompanhante de velório, e aqueles que seguiam o cortejo só por uma obrigação humana, não sabiam o motivo da sua falta naquele velório, e perguntavam-se uns aos outros:

- Cadê o grandalhão João Malamanha que não está participando deste fúnebre? Será que ele está doente ou viajou para longe e não está sabendo?

- Não sei...! – Respondia alguém.

E outro:

- O que foi que aconteceu com ele que não veio ao velório?

Um velhinho que tinha muito conhecimento com o João Malamanha disse aos ouvintes que ele estava presente. Ninguém o via, mas ele estava vendo todos. E impaciente, duvidou um abelhudo e fofoqueiro:

- E como ninguém o vê e  em que lugar ele se encontra, porque desde que eu cheguei ainda não o vi?

- O João Malamanha não está aqui no meio de nós, porque quem vai dentro do caixão é ele. – Respondeu o velhinho.

- Mas o João Malamanha morreu? Qual a causa da morte? – Perguntou um curioso em tom de assombro!

- Foi assassinado pelo seu ajudante de mecânica. – Disse o velhinho.

- Aquele pequenino Leandro o matou? Aquele que o acompanhava nos enterros?

- Sim senhor! A gente ver cara e não ver coração... – fez o velhinho ex-amigo do Malamanha.

Adeus, João Malamanha!

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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