sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

TER PENA DOS OUTROS É SOFRER POR SI E PELOS OUTROS

Por José Mendes Pereira - (Crônica 27)

Quando pedi minha demissão da empresa em que eu trabalhava fui viver do comércio, no ramo de cereais, bebidas e outros mais que não podem faltar nas prateleiras de uma mercearia. Atividade esta que, eu não tinha a mínima experiência. Vivi durante cinco anos do comércio, e posteriormente, tentei várias atividades, as quais não me deram bons lucros, mas deram para sustentar a minha pequena família.

Após o comércio, tentei outras atividades, como: proprietário de bar, possuí uma pequena fábrica de sabão, fui também rádio técnico, sendo que esta profissão eu tive que abandoná-la poucos meses de iniciada, porque alguns rádios chegavam à minha casa ainda falando, e quando saíam, alguns fregueses me reclamavam que o seu veículo de comunicação estava falando fanhoso. Vendo que eu não servia para esta atividade, resolvi abandoná-la de uma vez por toda.

Exceto professor, a única profissão que mais demorei nela como patrão, foi a de serralheiro, mesmo já sendo funcionário público, permaneci por mais de 10 anos.

Quando eu era comerciante fui várias vezes enganado por fregueses, mas o trambique que mais me doeu, sem dúvida,  foi de um senhor que eu não o conhecia.

Certa feita, eu me encontrava no meu pequeno comércio, quando de repente me apareceu um senhor baixo, moreno, cabeludo, de barba rala, aparentemente era homem do campo, puxando um jumento, e agarrados à cangalha dois caçoas, que serviam para transportar as suas mercadorias. De início, o homem conversou, conversou, tomou uma birita, mais outra, em seguida, pagou-me, e depois abriu o jogo:

- Eu vim até aqui à sua mercearia ver se o senhor me vende fiadas umas coisinhas para eu levar para os meus filhos. Desde ontem que eles não comem nada, só bebem água, água; a mãe chora muito em vê-los com fome. São quatro filhos, todos capazes de caberem dentro de um balaio. Eu não tenho mais o que fazer. Ao vê-los com fome, fico me perguntando: Por que Deus me deu uma cruz tão pesada para carrega-la? Se o senhor fizer isso por mim eu estou com um milho para quebrar, e assim que eu vendê-lo, venho logo lhe pagar o valor das mercadorias que eu as levar.

Logo que ele me fez a proposta, de imediato lhe disse que eu não tinha condições de fazer nada por ele, uma vez que eu não o conhecia, nem onde morava. Os poucos fregueses que eu tinha eram meus vizinhos, e se eu o fornecesse mercadorias, com certeza iria faltar para os meus fregueses.

Ele insistiu mais uma vez, mas eu conservei o que tinha dito antes, pois eu não podia vender mercadorias a quem eu não o conhecia. O homem montou-se no seu animal e foi-se embora, sem me dizer muito obrigado pelas minhas verdadeiras palavras.

Assim que ele saiu da minha mercearia eu me pus a pensar, colocando-me como se aquilo fosse comigo, meus filhos todos com fome, e eu não podia comprar nada para eles.

E que alegria as suas crianças iriam sentir quando o avistasse já chegando bem perto de casa, dizendo uma para a outra: “- Lá se vem papai com alimentos para nós”. E de imediato fariam carreira para encontrá-lo.

Vai, seu Madruga!

Peguei a minha velha e surrada lambreta e tomei o caminho que ele havia seguido. Eu não sabia com certeza a direção, mas como eu estava no transporte, de qualquer jeito eu o encontraria.

Não demorou muito para eu o encontrar, porque ele seguia em uma estrada carroçável. E assim que eu o alcancei, disse-lhe:

- Vamos buscar as mercadorias. Eu resolvi vendê-las, mas em uma condição: assim que o senhor vender o seu milho, venha logo me pagar.

- Com certeza, seu moço! Sou um homem de palavra. Quando dou a minha palavra, ninguém desmancha.

Com a lista em mãos, fui colocando as mercadorias sobre o balcão, uma por uma, e anotando-as no meu caderno, inclusive o seu nome, onde morava...

O certo é que, foi a primeira e última vez que eu vi este senhor. Nunca mais o vi nem ao longe. O homem era um verdadeiro trambiqueiro.

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