Por: José Mendes Pereira
- Dionísia, minha velha, gritava seu Galdino, o diabo das ovelhas do morador da viúva estão todas dentro do nosso cercado. Não se pode mais criar nada nas nossas terras. Ele sabe que as suas ovelhas são umas verdadeiras ladras, e as solta perto do meu cercado.
- Calma, meu velho! Calma! - aconselhava-o dona Dionísia. É melhor ter paciência. Intrigas com vizinho já se parece morte.
- Mas por que ele não as coloca no cercado de cima, se lá é bem mais farto o parto do que ali? - dizia ele com ignorância.
Enquanto isso, se ouvia o toc, toc de um animal que vinha caminhando. Era seu Leodoro Gusmão, montado em um lustroso cavalo de campo, que havia tomado emprestado à fazendeira dona Chiquinha Duarte, para a captura de um boi mandingueiro.
- Apeie-se, compadre Leodoro, para tomar um cafezinho. A Dionísia acabou de fazer, e está bem quentinho... Dionísia, trás um cafezinho para o nosso compadre! – gritou seu Galdino em direção à cozinha.
E virando para o seu Leodoro, perguntou-lhe:
- Conseguiu ver o seu boi mandingueiro nos cerrados, compadre?
- Infelizmente não o vi, compadre Galdino. O parto está muito unido ainda, e torna-se difícil ver qualquer vivente naquelas matas fechadas.
- Mas assim é que é bom, compadre! Muito pasto e os nossos animais não morrerão de fome; ao contrário, eles estão nadando no meio da fartura.
- Deus me livre de seca! Só trás sofrimento para nós e para os animais. - Disse seu Leodoro.
- Quando eu vejo a fartura, me lembro de quando ainda não era fazendeiro. O sofrimento era grande. Nós morávamos nos fundos das terras do fazendeiro Chico Duarte, lá bem próximo à Favela.
Eu vivia de campear gado bravo nos cerrados. Eu era vaqueiro de aluguel. Nunca fui vaqueiro de fazendeiro nenhum. O fazendeiro me dizia o bicho que precisava no seu curral, e me dava uma radiografia completa. A cor do animal, o ferro, se era adulto ou ainda novilho, tudo, sem faltar nada. E a partir das características do vivente, eu me mandava em busca dele, e só retornava para casa com ele na frente, mascarado e com chocalho...
- Mas o senhor sempre campeava sozinho, compadre Galdino? Interrompeu-lhe seu Leodoro.
- Sim senhor! Nunca precisei de vaqueiros para tanger gado comigo. E naquele tempo as onças viviam passeando por todos os lugares. Todos os dias, nas fazendas, amanheciam bezerros mortos e estraçalhados pelas danadas.
- E o senhor tinha medo delas?
- Nunca tive medo de tal animal. Eu a tratava como se fosse um cachorro, com uma diferença, apenas de grande porte.
- Eu não tenho medo, compadre Galdino. Eu evito de vê-las, porque elas são traiçoeiras, e não se deve dar chance a esse tipo de animal.
Seu Galdino precisava urgente contar uma história sobre onça a seu Leodoro. E de imediato, deu início a uma de suas aventuras.
- Certa vez, eu precisava de uns cabos para as minhas ferramentas. Os meus dois filhos, os que moram lá na grande São Paulo, o Artur e o Severino ainda eram pequenos, o mais novo com sete anos, e o mais velho com oito. A nossa situação era de lástima, porque os fazendeiros não estavam precisando de serviços dos vaqueiros, vez que os rebanhos estavam muito bem, obrigado. Naquela época, eu ainda nem sonhava em possuir fazenda. Mas, o senhor sabe, que quem é pobre, sofre por tudo. E o pior é a falta de alimentos. A minha casa estava sem nada, apenas água no pote e nada mais. O que ainda tinha em casa era açúcar, e quando um deles sentia fome, a Dionísia fazia garapa, isto no intuito de amenizar a fome do menino.
- Os meus filhos também foram criados bebendo garapa, compadre. - afirmava seu Leodoro para reforçar o que dizia seu Galdino...
- Pois bem, já que eu iria tirar os cabos para as minhas ferramentas, e como a situação andava de pior a pior, que o senhor sabe que quem anda pelas matas, vez por outra encontra uma fruta, mel de arapuá..., levei o Artur e o Severino, pois se caso eu encontrasse frutas ou mel, eles aliviariam um pouco a fome. Mas eu os levei, não só para isto, também para conhecerem as terras que eles teriam que passear por elas quando atingissem a adolescência, à procura de animais. E nós seguimos por uma vereda feita por bodes, e bem próximo ao Pai Antonio, que o senhor o conhece muito bem, do Soutinho, avistamos um animal que se escondia por detrás de uma árvore derreada. E fomos nos aproximando daquele bicho, para termos a certeza que vivente era. Mas com muito cuidado, pois eu temia que poderia ser uma onça, e já que os meus filhos andavam comigo, talvez acontecesse um ataque contra nós, feito por ela. E lentamente, fomos mais perto, e adivinhe, compadre, o que era!?
- Eu suponho que era uma rês pastando bem escondidinha. – Dizia seu Leodoro.
- Que rês que nada, compadre! Era uma enorme onça, em pé, diante de nós. Os meninos ficaram assustados. Mas para consolá-los, eu os disse que não tivessem medo, que ela não iria lhes fazer nenhum mal.
- Meu Deus, uma onça! – exclamou seu Leodoro.
- E vi logo que era uma onça parida, porque as suas mamas estavam muito inchadas, como se ela tivesse perdido os seus filhotes. Mas em nenhum momento, ela demonstrou insatisfeita com a nossa presença. Mas com receio, que ela poderia atacar os meus filhos, coloquei-os trepados em uma árvore, pois se ela tentasse me atacar e eu corresse, ela não conseguiria subir, para estrangular os meus garotos. E fui me aproximando mais dela, e nas mãos, eu levava um enorme facão, mais uma corda que eu a conduzia amarrada em minha cintura. A onça era tão mansa, mas tão mansa, que nada fez contra mim. Fiquei alisando o seu corpo, repuxando o couro, e a danada se era covarde, naquele dia se tornara um cordeiro. Olhando as suas tetas, desejei secá-las. Mas com medo que ela se revoltasse contra mim, continuei alisando o seu couro, e com a outra mão, fui peando as suas patas traseiras. Ali, eu iniciei secar as suas tetas.
- O senhor estava tirando leite da onça, compadre?
- E eu brinco, compadre Leodoro? Como eu já havia peado as suas patas traseiras, cheio de certeza que ela era uma verdadeira amiga, pedi que o Artur descesse da árvore, para que eu o arriasse em uma das patas dianteira da onça, para facilitar a esgotada do leite, que com certeza, seria melhor para eu mungi-la.
- O senhor arriou o seu filho na onça, compadre Galdino? - Perguntava seu Leodoro com espanto.
-Arriei-o! Eu notei logo que a onça era uma lesada..., eu achando que era um desperdício, já que o leite era de boa qualidade, chamei o Severino para mamar nela, porque ele sentia fome. A onça nem ligava, e me parece que ela estava achando boa aquela arrumação. Como ela estava tranquila, desarreei o Artur das mãos da onça, e ordenei-o que fosse mamar também. Eles ficaram com os as barrigas enormes, porque a onça tinha muito leite.
- E depois, compadre, a onça não se revoltou com vocês?
- Pois diga! De forma alguma! Eu vendo que ela era uma besta, isto é, muito mansa, peguei a corda, fiz um cabresto, encabrestei-a, e meus filhos e eu fomos para casa montados nela.
- Que bom que um dia, nos tabuleiros, eu me encontrasse com essa mesma onça, compadre Galdino, para a Gertrudes passear montada nela nesse nosso sertão sofrido.
História contada, seu Leodoro resolveu ir embora, pois precisava fazer algumas compras lá em Mossoró.
- Até mais tarde, compadre! - Disse e saiu galopeando vagarosamente em direção à sua casa.
- Até, compadre...!
Seu Leodoro não tinha mais espaço para guardar a tamanha mentira do seu Galdino.
- Vai-te corno! - Dizia seu Galdino. Quem irá sempre montar na Gertrudes sou eu, e não onça nenhuma!
Nenhum comentário:
Postar um comentário