quarta-feira, 13 de março de 2019

O CANGACEIRO “DESOBEDIÊNCIA” ESCREVE PARA O PAI.

Por José Mendes Pereira

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AMIGO LEITOR, ESTE MATERIAL NÃO DEVE SER USADO NA LITERATURA LAMPIÔNICA DE FORMA ALGUMA. (FICTÍCIO, MUITO EMBORA TÊM VERDADES TAMBÉM). É MAIS PARA QUEM É APAIXONADO PELA LEITURA.

O CANGACEIRO “DESOBEDIÊNCIA” ESCREVE PARA O PAI.


Lá no cangaço ninguém tinha uma vida boa. O que existia ali e desejada era simplesmente a influência dos jovens entrarem naquela maldita empresa de cangaceiros do perverso e sanguinário capitão Lampião, e usarem aquelas vestes coloridas, armas e chapéus enfeitados com moedas, ouro e pratas. Um mundo conhecido por quem lá já estava, mas totalmente desconhecido por aqueles que queriam participar dele. Muitos que entraram era como se tivessem feito um concurso para concorrerem uma vaga naquela empresa de facínoras, e os que conseguiam, de início, era como se ganhassem um valioso troféu. E na verdade, ganhavam mesmo! Um inferno quase sem volta.

O jovem que pedisse para sair daquele inferno estava sujeito a ser morto pelos seus amigos, a mando do chefe maior, que era o capitão Lampião. Ele não admitia sujeitos que fossem admitidos na sua "Empresa de Cangaceiros Lampiônica e Cia", e dias depois, pedia para ser demitido.

Aquele que adquiria a sua vaga se sentia feliz, porque, mesmo sabendo que a partir daquele momento, deixaria de ser um homem honesto, mas o orgulho estava presente na sua face, que seria admirado por todos os outros que almejavam um cantinho ali.

E o jovem que ainda não tinha chegado a sua oportunidade aguardava qualquer dia ser mais um daquele grupo de cangaceiros. O melhor para entrar nela era ficar contra as volantes policiais da época, que segundo os pesquisadores, maltratavam os sertanejos para que entregassem os bandidos de qualquer jeito, e dizem que elas eram mais violentas do que os próprios cangaceiros. Elas mataram sertanejos, incendiaram currais e mataram animais no pasto, na intenção de criminar mais ainda o próprio capitão Lampião.

Com estes feitos tristes, e muitas vezes, eram mortos sertanejos pelas volantes policiais, tentando fazer os sertanejos ficarem contra os cangaceiros. Mas que na verdade, nem todos os acontecimentos tristes eram praticados pelo grupo de cangaceiros do capitão Lampião.

O cangaceiro “Desobediência” desejoso para usar aquelas vestes e sem muito esforço, entrou na empresa de cangaceiros do capitão. Mas com o passar dos dias, “Desobediência” viu que se enganara. Tantos conselhos recebera do velho seu pai e da sua mãe, que não se cansaram de alertá-lo, que aquela vida de malfeitor não era para ele. Eram pobres, mas muito honestos. O mundo do cangaço nada mais tinha do que decepções, mortes, roubos, estupros, vinganças injustas, combates a todo momento, e, principalmente ele, participar daquele inferno, quando não tinha a mínima coragem para matar uma peçonhenta caranguejeira.

Mas o “Desobediência” não importou com os conselhos do pai e da mãe, e dias depois, era mais um que por onde passava tirava a tranquilidade dos sertanejos. Por último, sem condições de desistir daquele inferno “Desobediência” resolveu escrever uma cartinha para os pais, e informá-los como estava arrependido da sua desobediência. E para que a carta chegasse até às mãos dos amados pais, ela foi entregue a um dos coiteiros do capitão Lampião, para que ele fizesse chegar até lá. E em mãos, dias depois, ela foi entregue aos velhos sofridos pais do "Desobediência".

Queridos pais:

Aqui dentro das caatingas não há como datar esta carta, porque não tenho a mínima ideia em qual Estado do Brasil eu estou. Nós vivemos constantemente saltando de lugar para outro, e geralmente é em correria, porque as forças volantes não nos dão trégua. Antes de deixar esta vida terrena, porque quem entra na empresa do capitão Lampião, não tem muita esperança de um dia voltar para abraçar os seus amados e queridos pais, irmãos e amigos, quero pedir desculpas ao senhor e a mamãe pela minha desobediência. Não sei se quando esta carta chegar aí, eu ainda esteja vivo.

Pai, o velho ditado diz que: "o risco que corre o pau, corre o machado". Está comprovado que é mais do que verdade pai, porque o que eu vi nos poucos combates que tenho participado como empregado da Empresa de Cangaceiros Lampiônica e Cia, os perigos são para ambas as partes. O grupo de cangaceiros está mais para uma alcateia de lobos sanguinários do que para facínoras. Todos são iguais, com as mesmas naturezas, malvados e perversos ao estremo.

Tenho visto amigos sendo tragicamente atingidos por balas lançadas pelas volantes policiais, e ali mesmo morrem, porque não há como socorrê-los. As volantes policiais não nos dão uma pequena chance para um possível socorro aos nossos amigos cangaceiros feridos.

Nos momentos dos ataques aos policiais sempre estou ao lado do capitão Lampião, mas fico um pouco distante, e por ele ser cego do olho direito, sempre faço o fogo para os ares, porque como vocês sabem muito bem, eu não tenho coragem para matar ninguém, e enquanto o capitão não perceber a minha astúcia de não atirar em direção ao alvo, eu vou atirando para cima.

Meu amado pai, todas as noites lembro muito daí. Vejo a minha mãe na cozinha fazendo o jantar do senhor, enquanto pegas uma bacia com água, uma toalha e a põe no ombro e vai para o terreiro da frente da casa, lavar os seus pés encardidos do barro vermelho que rodeia a nossa pequena fazenda.

Vejo as minhas irmãs, todas de cabisbaixas, como se estivessem com muita saudade de mim Vejo os nossos amigos chegando em nossa casa, para no terreiro da frente, palestrarem em rodas, ou até mesmo falando dos animais, das lavouras.

Tenho saudade daquele lugar na sala da frente da nossa casa que eu armava a minha rede para dormir tranquilo a noite toda. Aqui não existe isso. Tenho que dormir em qualquer lugar do coito nessa caatinga, no chão, cheio de pedregulhos, misturado com insetos que hão de aparecer no decorrer da noite. Lembro que ao entardecer, em nossa fazenda, eu saía para campear o gado graúdo, e o senhor se encarregava de campear o gado miúdo, tangendo-o para o chiqueiro.

Meu pai, aqui neste inferno que eu escolhi por decisão própria, assim que o sol se prepara para ir se deitar, e a escuridão da noite começa, apodero-me de um tédio invencível, por saber que talvez nunca mais terei a liberdade que eu tinha por aí, participando das festas, passeando pelas casas onde por lá vivem as donzelas que tanto me admiravam. As brincadeiras entre amigos, o jogo com bolas feitas de meias e enchidas com retalhos de tecidos que minha mãe sempre me arranjava. Os banhos nos rios e lagoas, as pescarias, as corridas em montarias, as caças aos pássaros com estilingues, as perseguições aos tatus e pebas com espingardas... Aqui, se não for para comer, ninguém mata pássaros e caças, porque toda munição é poupada para atirar nas volantes policiais, e a alguns sertanejos que estão marcados para morrerem, determinados pelo capitão Lampião.

Desde o dia em que eu vim para esta maldita empresa de cangaceiros a vida deixou de me ver com bons olhos. Arrependo-me de não ter tomado os seus importantes conselhos, e lembro-me muito bem, que no alpendre da nossa humilde casinhola, o senhor me aconselhava e relatava sobre a vergonha que iria ter de mim, porque a partir daquele dia, eu passaria a ser um jovem considerado como ladrão, e principalmente, discriminado por toda vizinhança.

Pai, o mundo do cangaço não é para qualquer um. No primeiro dia que cheguei à empresa do capitão Lampião presenciei uma briga de dois cangaceiros, que deste cedo, eles se desentenderam. Todo coito estava atento às suas discussões. Enquanto discutiam verbalmente, tudo ia bem, até o capitão também assistia, parado, quase irado, como se estivesse engasgado, mas quando ambos preferiram armas, o capitão que os observava, levantou-se do lugar que estava e deu um grito tão forte dizendo-lhes:

- Ei, ei, ei seus cabras da peste! Soltem as armas, suas duas pestes safadas! Não têm vergonha de brigarem por coisas banais?

E de imediato, eles desistiram das armas com medo da suçuarana humana.

Ele enfrentou os dois sem nenhuma arma na mão. Pai, imagina bem se um deles matasse o capitão Lampião e o inferno que sugeria dentro do coito, hein? Os amigos do capitão querendo vingar, ou também poderia ser ao contrário. A confusão seria pelo bornal do capitão, pois era nele que estavam as suas riquezas. Tenho certeza que se isso tivesse acontecido eu entrava nas matas em busca de casa para nunca mais voltar a este inferno mundo.

Vi também certa noite quando o cachorro do capitão foi ferido por um amigo do coiteiro de Lampião chamado Adalto. Lampião havia convidado o ourives Messias para fazer uma reparo geral nas riquezas (joias) de toda cangaceirada. Como o Messias não quis ir só ao reino da majestade porque era noite, convidou o coiteiro Manoel Félix para acompanhá-lo. Este se deu pronto, e de imediato chamou o seu irmão, o Adauto, para juntos irem até a corte do respeitado rei.

E assim que o cangaceiro Juriti viu o ourives e os dois irmãos tomou-lhes a frente, fazendo graça e se requebrando. Adauto tentando ultrapassar para se desviar dele, uma bolsa que no momento conduzia em uma de suas mãos atingiu a cabeça do cachorro de Lampião, ferindo-o de imediato. O cão ficou uivando como se estivesse pedindo a Lampião que vingasse aquela maldade feita contra ele. E seringadas de sangue saíam por uma das suas orelhas. Temendo ser justiçado por Lampião, Juriti gritou que tinha sido o Adauto que ferira o cachorro. E como uma fera, Lampião agarrou o seu amado e perverso mosquetão e partiu para cima do pobre homem. O coitado esmoreceu de repente, e não sabia o que fazer.

Maria Bonita, como sempre, protetora dos inocentes, agarrou-o, implorando que tivesse paciência, pois não se matava um homem só porque tinha ferido um cachorro. E ainda lhe dizia que ele parecia que tinha enlouquecido.

Maria Bonita foi a grande sossega leão de Lampião, pedindo-lhe que não fizesse tantas maldades contra as pessoas. Algumas vezes, ele ficava nervoso com coisas banais, e com essa fúria, além do normal, ela estava sempre ao seu redor para evitar tamanha atrocidade. Ela sabia que muitas vezes, as suas maldades eram justas. Mas outras, praticava pela natureza cruel que ele era dono. Se ela não tomasse as dores de alguém para si Lampião se tornaria um bandido sem causa e sem ética.

Assim que Lampião violentou Adauto o seu amigo e fiel companheiro, o Luiz Pedro, correu e o colocou sobre sua proteção, amparando-o em suas costas. E de lá, ficou acalmando a suçuarana humana, pedindo-lhe que não se estressasse, deixasse o rapaz aos seus cuidados. E ainda lhe dizia: “-Não faça isto compadre! não faça isto!...”. Mas Lampião estava fora de si. Queria matá-lo por ter ferido o seu cachorro, que para ele, era como se fosse um amado filho. E ainda dizia: “- Olhe o sangue Maria! Olhe o sangue Maria, no bichinho!”.

Um outro fato engraçado pai, foi certo dia o capitão dormia no chão apenas protegido por um pedaço de lona. E pouco tempo, chegou o cangaceiro Zé Sereno com um bode às costas que havia pego na mata para que ele fosse morto e preparado para o jantar de toda cabroeira. Ele não calculou o tamanho da corda que estava presa ao pescoço do animal. E assim que ele desceu das suas costas o bode fez carreira em busca do capitão fazendo com que ele acordasse assustado.Ele levantou do chão com uma ira dos diabo e partiu para cima de Zé Sereno dizendo-lhe:

- Solte esta peste, sua égua! Isso no mais alto grito.

Meu pai, tenho plena certeza que o capitão Lampião é o marginal mais valente que já existiu no mundo. Simplesmente porque, não tem ninguém por ele no cangaço, somente a Maria Bonita. Alguns cangaceiros têm irmãos, tios e primos no bando, e o capitão é somente ele, e além do mais, autoridade só quem tem é ele. Isto poderá irritar algum cangaceiro. Maria Bonita é a sua esposa, e se algum cangaceiro matar o seu companheiro, ela como mulher, nada poderá fazer. Também não é sangue dela.

Pai, e não será nunca difícil que isto possa acontecer no grupo de cangaceiros do capitão Lampião para tentarem matar o capitão, porque ele é tão rico que carrega consigo um bornal que dentro dele, eu calculo que tenha aproximadamente 5 quilos de ouro. Isto em joias. E o senhor sabe, a ganância é o chapéu do diabo. Quem sabe, se algum dia alguns cangaceiros organizem este plano de matar o capitão Lampião, só para roubarem as suas riquezas?

Vou findar por aqui, pai! Lembranças e um abraço bem forte na minha querida mãezinha, e diz pra ela que se seu filho escapar por aqui, um dia fugirá e vai dar-lhe uma abraço bem apertado.

Lembranças às minhas irmãs e alerta a elas que não entreguem as suas virgindades a certos malandros daí, principalmente ao filho da puta do Zé de Nequim, porque ele não merece ser esposo de nenhuma delas. E se eu consegui sair deste inferno e se ele tiver mexido no que não deve de algumas das minhas irmãs eu vou fazer igual o que Lampião fez com o Batatinha, capá-lo.

Seu amado filho "Desobediência".

Informação ao leitor: Sobre o bode e o cachorro de Lampião não é criação minha, eu escrevi baseado no que conta Alcindo Alves Costa em seu livro "Lampião Além da Versão - Mentiras e Mistérios de Angico". Para você adquiri-lo entre em contato através deste e-mail: franpelima@bol.com.br

http://josemendeshistoriador.blogspot.com

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