Por José
Mendes Pereira
Já se passaram muitos
anos que isso aconteceu em uma comunidade de Mossoró, bem próxima ao Mulungu, mais ou menos na década dos anos 80. Conheci o casal apenas vestido
com roupas de camponês em alguma de suas viagens à Mossoró, e nunca dei um dedal de conversa com nenhum dos cônjuges.
O casal vivia da
agricultura e de uma pequena criação de ovino, bovino e caprino aos arredores
de Mossoró, ao lado do nascente da cidade, com uma distância mais ou menos de 18 quilômetros.
O casal já era
de idade avançada, mas equilibrado na sua atividade rotineira. Nada lhe era
difícil movimentar em sua pequena propriedade, muito embora, assim como qualquer outra pessoa que passa dos 60, 70 anos, a saúde do casal era comprometida.
O velho se chamava José e por mais que eu tentei me lembrar do nome da sua senhora
não veio na minha mente, e no decorrer de nossa história, chamá-la-ei de dona
Maria.
O dia em que
isto aconteceu não foi diferente dos outros dias passados, mas, algo, ao
anoitecer, caminhava para mudar os destinos do casal idoso.
O sol já caminhava
para se deitar no meio de um enorme lençol de nuvens amarelado, e a tarde estava
preste a ir embora, porque logo mais, alegremente, chegaria a noite para rendê-la, assim como dizem os vigilantes de empresas.
Nos pequenos
chiqueiro e curral seu José cuidava da sua criação, separando cabritos e
bezerros das mães e os colocando fora, porque no dia seguinte, um homem vinha
apanhar o líquido extraído dos úberes das vacas para ser vendido na freguesia. Lá dentro da casinhola
dona Maria esposa do fazendeiro José cuidadosamente, preparava o jantar para os
que ali estavam.
Assim que seu José
terminou as suas atividades de sempre caminhou para casa, entrou, e lá,
apoderou-se de uma bacia de alumínio, pôs água, pegou uma toalha que estava sob
a varanda que fechava a parte de baixo da casa, e foi lavar os seus encardidos
pés no terreiro da casinhola.
Os filhotes
miúdos de cabras e vacas corriam de ponta a ponta no interior do imenso
terreiro que ficava em frente à casa grande da Fazenda, toda rodeada de
alpendres.
O cachorro de cor preta com lavras brancas espalhadas por todo seu corpo, e nomeado por “Lamari” muito mimado por todos dali, e totalmente de raça "vira-lata", fazia a segurança do
fazendeiro José e da sua generosa e unida família.
Dona Maria permanecia na cozinha preparando o jantar, e após de tudo pronto ela percebeu que a lamparina que estava na sala não clareava
bem o ambiente. Pegou-a e balançou-a, na intenção de calcular o tanto de óleo
diesel que ainda tinha dentro dela, e ao balançá-la, notou que ela estava
precisando ser abastecida com o líquido inflamável que era o óleo diesel. Mas resolveu
deixar o abastecimento do líquido na lamparina assim que terminasse o jantar.
Assim que terminou de lavar os pés ao ar livre do terreiro o
fazendeiro José dirigiu-se até a sala de jantar, e lá, sentou-se ao lado esquerdo
da esposa Maria, que já o aguardava sentada em uma cadeira ao redor da
mesa. Filhos e alguns netos fizeram o mesmo, aconchegaram-se aos arredores da
mesa para o jantar.
Antes de iniciarem, como do costume dos sertanejos,
seu José, dona Maria, filhos e netos presentes, todos puseram as suas mãos
postas para os céus, e iniciaram uma reza, que no mínimo, demorou 3 minutos. Dona
Maria foi quem iniciou a reza. Primeiro, um pai nosso, e em seguida, as
Ave-Marias.
Terminada a bênção do “Pai Poderoso” no meio de conversas e
risos, o jantar satisfez o prazer de todos ali. Seu José foi o primeiro a
abandonar a mesa, apoderando de uma cadeira e foi para o terreiro receber um
ventinho que vinha do Norte e em seguida, dirigia-se para o Sul. Os outros foram
saindo paulatinamente.
Como é hábito de "dona de casa" a esposa do fazendeiro dona
Maria ficou ao redor da mesa recolhendo os pratos, colheres e restos de comida
para levar até ao local onde estava o cachorro “Lamari”, que aquelas alturas,
impacientemente, já estava aguardando o seu jantar.
Depois de limpar a mesa e
guardar os objetos que foram usados no jantar dona Maria abandonou a cozinha, e foi em busca do terreiro, e em uma das mãos, uma xícara de café para seu José.
E ao passar pela sala lembrou que a lamparina precisava ser abastecida, vez que
ela tinha diminuído bastante o claro. E logo, convidou um dos netos para ir até ao armazém
ao lado da casa, onde lá, o óleo diesel era guardado em um balde (espécie de tonel) que cabia aproximadamente 20 litros do líquido inflamável.
Os dois chegaram ao local. Abriram a porta e entraram para a retirada do líquido, sempre clareados
por uma lamparina que estava em uma das mãos da dona Maria.
E de repente, tentaram
passar uma parte do óleo diesel para uma
outra vasilha. Dona Maria esquecera que ela e o neto estavam transferindo um
líquido inflamável. E foi nesse momento que os dois se atrapalharam.
O fogo da lamparina
lambeu o óleo e ambiciosamente, tomou de conta incendiando tudo, causando uma espécie de explosão. Com a explosão, o óleo foi de encontro às roupas e os corpos dos dois,
fazendo com que cada um, era uma chama só. Os gritos eram tristes: "Meu Deus! Meu D..." Sem nenhuma solução os dois se
abraçaram no meio do fogo ficando os seus corpos colados.
Ao verem o clarão e
ouvirem a explosão e os gritos dos infelizes seu José, filhos e netos correram
para um possível socorro, mas já era tarde demais. O fogo tinha se alastrado,
transformando os dois viventes em uma só tocha humana.
Por último, o que o
seu José, netos e filhos tinham de fazer era somente carregarem água em baldes para
apagar a língua de fogo que já tentava alcançar o teto. Ali, a tristeza permanecia em
todos os corações que ficaram vivos.
Chamada a perícia para os possível trabalhos técnicos descobriram
que foi a lamparina que estava bem próxima do óleo. E ao transferirem o líquido
de um balde para o outro, o fogo faminto, com a sua língua traiçoeira, lambeu
de uma só vez o líquido inflamável.
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