quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

JOÃO MALEÁVEL FAZ O SEU PRIMEIRO VESTIBULAR

Por José Mendes Pereira - (Crônica 51) 

O João Maleável estava preparadíssimo para concorrer uma vaga no curso de letras, e já se considerava um dos acadêmicos daquela universidade. 

Há meses que ele não ia mais ao bar do Aderaldo, lá na Pedro II, para tomar uma pinguinha em companhia dos amigos; e nem tão pouco à Praça da Catedral, para dar um dedinho de conversa com o livreiro da banca de revistas. 

Pelo menos no momento, só os livros eram a sua diversão. Já havia devorado o José de Alencar, a Raquel de Queiroz, o Jorge Amado, o Machado de Assis; leu um pouco a Cora Coralina e outros romances dos grandes escritores da literatura brasileira. 
            
Em relação aos conteúdos estudados estava com todos encaixados ao crânio. Em Português: Compreensão de textos, crases, interpretação, orações subordinadas, as coordenadas, semânticas, morfossintáticas, e discursivas, significação literal e contextual. Nossa! Nisso ele era o bicho!  

E Matemática?  Foi a disciplina que mais treinou em casa, fazendo cálculos e mais cálculos. E História? Sabia tudo! Sim senhor!  “-E que venha Geografia!” - Dizia ele. E Inglês? Nenhuma dúvida! Verbos no presente, no passado, no condicional, no gerúndio, no particípio...

Eram sete horas da manhã quando os portões da Universidade foram liberados, para que os vestibulandos fossem se acomodando em seus lugares. O futuro dono da sabedoria ocupou a cadeira 61, e tinha certeza que iria fazer uma boa prova. 
            
Minutos depois, deram início ao concurso em um silêncio total. Ninguém mais podia conversar ou se deslocar de sua cadeira para outro lugar.
             
Lá em um dos recantos da sala estava o João Maleável, todo orgulhoso, e com o crânio cheio de sabedoria para dar e vender. O tempo passava rápido, e ele no momento resolvia a parte gramatical, e estava bem concentrado. 
             
A Cristina uma amiga de colégio também concorria uma vaga, e permanecia sentada atrás dele, ocupando a cadeira 62. Vez por outra ela cravava a ponta fina do lápis no seu vazio pedindo respostas.

- Calma! – Exclamava ele prendendo a língua, para que o fiscal não o observasse. 
             
Finalmente terminou a parte principal, e agora, sim, podia enfrentar a redação. Já havia respondido o que não lhe preocupava tanto. E partiu ele com garras para devorar a redação, pois não tinha medo de redigir, era o seu melhor hobby. Mas quando ele abriu a página e viu o tema, entrou em choque. Não era o que ele tanto esperava. Sim senhor!  Redigir um pingo d’água!
            
- E agora, o que eu faço?  - Resmungava ele. Será que os elaboradores desta prova estavam doidos, malucos? Quem já se viu isso, meu Deus! Redigir um pingo d’água!? Tanto que eu estudei e colocaram uma besteira desta! Minha Nossa Senhora!
              
O fiscal da sala ouvindo aquele ai, ai, ai, do João Maleável não lhe poupou a pele. E de pressa, alterou-se um pouco, e o chamou à atenção dizendo-lhe:

- O senhor aí, o que está acontecendo?

- Nada, senhor!  Nada! - Respondeu ele timidamente.

E continuou observando a prova novamente. Pôs-se a imaginar um pingo d’água. No momento só lhe veio a lembrança de que a água é formada por dois elementos: Hidrogênio e oxigênio, e representada por H2O. E o pingo d’água é incolor, minúsculo, algumas vezes, em forma de balão. Em outros momentos, arredondado, sem cheiro, e se cair sobre o chão, desaparecerá em fração de segundo nos grãos de areia. Tentou recomeçar novamente, mas não lhe apareceu nenhuma inspiração. Insistiu outra vez, mas a mente estava totalmente travada. Colocou um pouco de saliva sobre o chão e ficou  observando, esperando que as bolhas desaparecessem, para ele idealizar um pingo 
d'água.

O fiscal parecia que estava o marcando.

- Novamente senhor, eu tenho que lhe chamar atenção! O que o senhor está vendo aí no chão?  

- Nada, senhor!...Nada!... Talvez seja a sua mãe..., Quis ele dizer algo baixinho, mas desistiu. 

- O que o senhor quis me dizer?  

- Nada! Eu estou olhando senhor, para ver se eu vejo a minha mãezinha aqui no chão... Quem sabe,... Talvez ela possa me ajudar nessa redação! – Respondeu ele maleavando.

Os vestibulandos se desmancharam em risos.

A Cristina cutucou-lhe, dizendo:

- Sossega, leão! Fique calmo! Não o responda! Ele pode te prejudicar! Cuidado! 

De repente lhe veio a intenção de embrulhar a prova e ir até onde ele estava e esfregá-la no nariz. Mas, depois desistiu. O fiscal não tinha culpa, os únicos culpados tinham sido os elaboradores que criaram uma redação tão imbecil. Infelizmente, desta vez o João Maleável estava frito.

A sirena anunciou o final das provas, e ele não tinha mais como fazer nada. E antes que alguém lhe tomasse a prova, escreveu: "Nunca pensei na minha vida que um dia eu me afogaria num pingo d'água".
   
A palavra maleavando gramaticalmente não existe, é uma criação minha, transformando maleável em verbo no gerúndio. Mas não a use em seus trabalhos, por não ter fundamento na nossa língua portuguesa.

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