segunda-feira, 4 de novembro de 2019

MINHA PRIMEIRA BICICLETA


Por José Mendes Pereira

Naqueles tempos de dificuldades para todos aqueles que nasciam e residiam no campo tudo era muito difícil, e que muitos pais que dependiam apenas da saúde para trabalhar e sustentar a sua numerosa prole viviam miseravelmente sem apoio de ninguém, somente da boa vontade de Deus.

Meus irmãos e eu não vivemos a miséria porque apesar de viver de favor em propriedade alheia, onde lá meus pais e nós filhos nascemos, mas que ele nunca fora empregado do proprietário, isso é, sem obrigação para com o proprietário de terras, o nosso pai era dono de um grande chiqueiro de criações, e além disto, ele fazia tudo (menos desonestidade) para não nos ver com fome. Lógico que os nossos alimentos não eram muito nutrientes, porque em décadas passadas o camponês alimentava a sua família apenas com carne da sua criação, feijão, arroz, cuscuz (milho passado no moinho), farinha vez por outra, rapadura fabricada no cariri, e mais algumas caças completavam os nossos alimentos. 

Como todos sabem muito bem como era a vida do campo no período de inverno todos estavam ocupados no plantio, estendendo-se até agosto, mais ou menos, porque chegava o período da colheita do milho. E assim que terminava a colheita todos iriam trabalhar no corte da palha da carnaubeira, mas nem todos os camponeses faziam esta atividade, somente em lugares que têm rios ocupados pelas carnaubeiras.

Eu ainda era pequeno e que tenho a impressão com menos de 13 anos, não só eu como todos as crianças da época, mas meu desejo era possuir uma bicicleta mercswiss. Naqueles tempos crianças trabalhavam, e é por isso, não menosprezando a linda juventude que existe hoje, o Brasil formou homens responsáveis, e é por isso que nenhum de nós se tornou marginal. Como eu estava trabalhando no corte de palha fui juntando dinheiro para um dia ser dono de uma bicicleta mercswiss usada. Meses depois, eu estava com o valor da bicicleta pronto.

O meu pai já sabia da minha intenção de possuir uma bicicleta, e como quase não dispunha de tempo, pois tinha as suas obrigações, porque era encarregado de uma turma de corte da palha da carnaubeira, e com o vexame de fazer logo esta compra, falei para eu vir sozinho à Mossoró e comprar a tão sonhada bicicleta. Ele tinha plena certeza que eu não sabia comprá-la, mas mesmo assim,  não se opôs, dizendo-me:

- Eu acho meu filho, que você não sabe comprar bicicleta, porque ainda é muito pequeno. Mas como eu não posso ir, tente sozinho. Tenha cuidado! Veja bem o estado da bicicleta que lhe agradar. Às vezes elas só têm presenças, mas que não estão perfeitas. – Dizia-me o meu pai.

A noite eu passei quase em claro só me lembrando da bicicleta e do retorno para casa, montada nela. Uma sensação que já estava pedalando. Quando eu cochilava sonhava já montado na tal bicicleta dos meus sonhos. Os enfeites que eu pensava em colocar nela, tudo foi pensado e vistos no meu pensamento. Um farol com dínamo e ao anoitecer, montar nela e fazer carreira em busca da casa da minha avó Mamãenana, que ficava um pouquinho distante de onde eu morava. E ao sair de casa, minha mãe dizia:

- Cuidado meu filho, porque tem touros bravos nos caminhos por aí e poderá tentar te derrubar com bicicleta e tudo!

- Se algum deles vier me açoitar mamãe, eu faço carreira na bicicleta para cá!

Quatro horas da manhã do dia seguinte eu já estava pronto para enfrentar a pé o caminho que trás até Mossoró. E ao me ver já pronto, meu pai me disse:

- É muito cedo ainda meu filho, para você caminhar até Mossoró.

- É porque papai, eu quero chegar cedo lá e também voltar cedo. – Eu disse.

Noutros tempos o sujeito andava a qualquer hora do dia e da noite, e tinha certeza que chegaria em casa, exceto algum animal feroz que o atacasse. Tirando este, sairia vivo e retornaria vivo.

Abri a porta da frente da nossa humilde casinhola de taipa e me mandei. Sempre com a imaginação voltada para o tão desejado transporte. E durante o percurso eu corria, parava, fazia gestos de quem monta em bicicleta, me desequilibrava como se fosse cair do transporte  simbolicamente. Deixei a mercswiss e tentei a bristol, mas ela não tinha apoio aconchegante. Tentei outras, isto somente na minha mente, nenhuma era especial como a mercswiss. 

Mas quando eu percebi que solitariamente o pai da vida aqui na terra já estava irradiando um pouco o chão do nosso chão, eu fiz carreira sem parar um só instante.

Lá para as tantas eu entrei em Mossoró. E me mandei até a casa de uma tia minha de nome “Dos Reis” que morava na atual Ilha de Santa Luzia. Ela já havia se levanto e feito café. Tomei um pouco e me mandei para a pedra do mercado, porque era lá o local de vendas destes. Ao chegar, sentei-me em um banco da praça aguardando os comerciantes que  logo chegariam para ludibriarem aqueles que tentavam comprar algo. E lá para as sete horas os comerciantes ambulantes foram chegando. Daí a pouco, a praça estava cheia de gente vendendo de tudo quanto existe em feiras livres.

E lá estava eu sentado no banco feito um matuto mesmo com um pouco de timidez. Disfarçadamente, vi uma bicicleta de cor azul, e no meu entender, aquela estava perfeita, bem pintada e com aparência de pouco uso. Somente os aros tinham começo de ferrugem, e a desejei, mas não saí do banco. Como eu a observava apenas com um rabo de olho o dono se aproximou de mim e me perguntou:

- Você mora aonde?

- Na Barrinha, eu o respondi.

Aquelas alturas aquele carniceiro percebeu que eu era camponês, e camponês é matuto, e matuto é bestão mesmo, e se é bestão é bom de fazer negócio, e se fizer, é fácil ser ludibriado de todas as formas.

- Veio fazer o que aqui em Mossoró?

- Eu vim comprar uma bicicleta mercswiss. 

O sujeito pôs a me ganhar na conversa.

- Veio com seu pai? - Perguntou-me?

- Não senhor, vim só.

E começou fazer mais perguntas e eu as respondendo. Em seguida disse:

- Vamos tomar um cafezinho ali...

Eu o acompanhei, e foi lá que ele me apresentou a bicicletas que estava à venda e que eu a tempo que a observava. E era aquela mesma que eu queria. Perfeita, bonita, quase nova. 

- Dê uma voltinha nela para você ver como ela é boa...

- Não precisa. - Respondi. 

Fomos a negócio. De lá pra cá veio o preço que eu nem me lembro mais quanto custava. E de cá pra lá foi a minha confirmação. Concordei que eu queria a bicicleta por aquele valor. 

Montei na já minha tão sonhada bicicleta e fui-me embora. Mas ao passar pela ponte do rio Mossoró, um pouco mais a frente a bicicleta começou os problemas. A corrente caiu, a catraca não prestava, freios duros e secos. Em busca de casa, andei mais a pé do que mesmo nela. 

A bicicleta só tinha beleza, presença, mas estava toda cheia de solda. Como ela tinha sido pintada a tinta cobria as partes que haviam sido soldadas. 

Que sorte! Naquele tempo matuto era matuto. Hoje não existe mais esta raça. O matuto de hoje sabe tanto quanto o homem da cidade. 

Parabéns para ele!

http://blogodmendesemendes.blogspot.com

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