José Mendes
Pereira
Kathauã foi uma índia justiceira que nascera nas terras de Mossoró e era uma espécie de cangaceira da sua época, que todos os moradores a respeitavam. Ela mantinha a sua ordem sem armas, apenas usava dois longos chicotes, e que não admitia que as coisas na cidade fossem levadas do jeito que os políticos, coronéis e fazendeiros quisessem, principalmente aqueles que se diziam serem homens poderosos que escravizavam uma boa parte da população mossoroense, e alguns de cidades adjacentes.
Quem havia nascido em berço negro e pobre teria que viver a vida inteira trabalhando para uma porção de oportunistas, carrascos, cruéis? E isso, Kathauã não admitia. E ainda dizia:
- Respeitar Mossoró e seu povo é preciso. Eles têm que serem amados e respeitados por todos. Quem não quiser amar a minha Mossoró e respeitá-la juntamente com os seus filhos, deixa-os o quanto antes. Vá embora daqui para outras terras que a ela não as pertencem. Mossoró tem nome para ser zelado. Dizia ela ao prefeito Antônio Freire de Carvalho que negro e índio são irmãos do branco e do rico que nasceram nesta cidade em berços de ouro.
- Sim, senhora! Timidamente concordava o prefeito.
Em reuniões de políticos, mesmo não fazendo parte da Prefeitura, nem da Câmara Municipal de Vereadores de Mossoró, Kathauã participava de todos os encontros, e ai daquele que não aceitasse a sua presença nos grupos. Vez por outra, Kathauã fazia o seu discurso dizendo aos vereadores que:
- Todos os senhores foram eleitos para a ligação entre o governo e o povo. Todos têm obrigação de ouvir o que os eleitores querem propor, e aprovarem esses pedidos na Câmara Municipal. Também, todos têm o dever de fiscalizarem, se o prefeito e seus secretários estão colocando essas demandas em prática, e se não estão pondo a mão nos recursos da cidade.
Era no tempo da escravidão. Assim que tomou conhecimento que o índio “Marani” (palavra indígena o que provoca rixas) havia colocado a sua filha “Indira” (Beleza pura nome indígena) de 13 anos à venda, para ser arrematada e escravizada por fazendeiros do lugar, ou por carrascos e poderosos coronéis, a índia Kathauã não gostou nem um pouquinho. Arrumou o seu cavalo com uma bela sela e arreios que dias antes havia recebido do seleiro Porfírio de Castro; apanhou os seus dois chicotes de 3 metros, e foi direta a oca do índio “Manari”, para saber o porquê de colocar a sua querida e estimada filhinha "Indira" à venda.
Assim que chegou à sua oca “Kathauã” encontrou “Marani” deitado sobre um jirau, uma espécie de cama feito de madeira e forrado com palhas da carnaubeira. “Manari” nem sabia que mulher era aquela, porque ele fazia três anos que ali chegara vindo de outra tribo, mas ligada à tribos de Mossoró.
A índia Kathauã vivia mais na cidade, sempre cobrando trabalhos e mais trabalhos do prefeito. E assim que ela desceu do seu cavalo e foi entrando na oca, perguntou-lhe:
- O senhor é o Manari?
- Sou, sim senhora! – Respondeu ele sem nem ao menos se levantar do seu jirau.
- Eu vim aqui, porque me falaram que o senhor tem uma filha que está à venda, e eu estou interessada comprá-la.
Kathauã dizia só no intuito de saber se era verdade mesmo que ele tinha colocado a filha à venda para ser arrematada por fazendeiros. E assim que ela falou que queria comprá-la, de um só pulo o índio “Manari” se levantou do jirau, já interessado na venda.
- E qual é o valor que o senhor está pedindo pela sua filha?
E sem titubear, o perverso pai disse que a venderia por 2 vacas leiteiras, 100 cuias de milho, igual feijão, arroz, mais 5 hectares de terras para plantio.
A Kathauã ouvia isso com paciência. E logo escutou de lá de dentro de um pequeno compartimento, um choro. Era a “Indira” sua filha que não se conformava com aquela ideia do pai querer vendê-la. E saindo do pequeno compartimento, veio em direção à Kathauã implorando-a:
- Pelo amor de Deus dona senhora, não me compra! É aqui que eu quero viver com ele, com minha mãe, com meus irmãos e minhas amigas...!
E sem muita demora, um choro forte e soluço de mulher estrondaram dentro da oca. Era a Janaina (Significa "protetora do lar", "deusa do mar", "rainha do mar", "mãe dos peixes"...) a esposa do “Manari”, mãe da “Indira” que todos os dias protestava, e não admitia que a sua querida filhinha fosse vendida para nenhum fazendeiro, e nem tão pouco para perversos coronéis. E aproximando-se da Kathauã, fez-lhe um pedido:
- Dona mulher, não compra a minha filhinha. Será uma das maiores dores para mim, ver a “Indira” saindo daqui, da nossa companhia, vendida para ser maltratada por aí! Pelo amor de Deus, não faça isso!
E voltando para “Manari” Kathauã perguntou-lhe:
- Por que o senhor quer vender a sua filha?
- Porque me vejo sem condições de alimentar todos os meus filhos...
- E o senhor está trabalhando?
- Não senhora.
- E por que não está engajado em um serviço qualquer?
- Dona, os coronéis e fazendeiros pagam muito mal e só querem escravizarem a gente. É um sofrimento para quem trabalha para aquele povo.
- Quer dizer que o senhor não quer ser escravizado pelos coronéis e fazendeiros, mas quer que a sua filha que tanto o senhor a beijou quando pequeninha, agora quer que ela seja escravizada por esta gente.
Ouvindo estas palavras o índio “Manari” calou sua voz. Não disse mais nem uma e nem duas.
- O senhor já ouviu falar na índia Kathauã, aquela que não dá chance a nenhum malandro que não quer trabalhar?
- Já ouvi, sim senhora...
- Pois saiba "bichim" que a Kathauã sou eu. Levante-se e vá logo procurar trabalhos por aí. Não quero mais ouvir falar que o senhor está querendo vender sua filha! Não só coronéis e fazendeiros têm serviços, como vários donos de vazantes e agricultores têm trabalhos para quem quiser trabalhar. Eu vou embora, mas se eu ainda ouvir falar que o senhor vendeu ou continua querendo vender a sua filha, eu retorno aqui e o senhor não se livrar de jeito nenhum dos meus chicotes. – Dizia ela em voz alterada e enraivada.
E montando-se no seu cavalo, chicoteou-o e foi-se embora.
O índio “Manari” foi trabalhar e desistiu da ideia de vender a sua querida filhinha.
Sabendo que o índio “Manari” obedeceria as suas ordens Kathauã nunca mais voltou à sua casa.
O "Manari" já tinha conhecimento dos seus arrufos e não era maluco de desobedecê-la.
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