quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

EXISTE FILHO QUE TEM O PAI COMO UM TROÇO QUALQUER

Por José Mendes Pereira - (Crônica 70)


Existe filho que tem o pai como um troço qualquer, não o respeita, não o zela, não lhe pede a bênção, não procura conversar com ele, não o obedece, não faz nada em seu favor, afinal, para ele, é apenas um sujeito que o colocou no mundo, e quando o pai cai doente, o bom seria que aquele troço velho e inútil dentro de casa morresse logo.

Mas isso não só acontece na classe pobre atinge todas as classes sociais. E se o pai é um grande empresário, aí sim, o desejo da sua morte é exigido até através de rezas, que aquele inútil passe logo para outra dimensão.

Nos anos setenta, eu residia no bairro Bom Jardim, zona Norte de Mossoró, à Rua Juvenal Lamartine, e foi lá, que todos os dias e todas as noites, eu ouvia da minha casa o sofrimento do seu Leocádio, um ex-comerciante de secos e molhados, talvez, não sei, já passava dos oitenta anos vividos, e tinha problemas prostáticos (uretra), e era cuidado, entre aspas, por um dos seus filhos, o Chico, que mesmo ouvindo do pai o pedido a Deus para fazer desaparecer aquelas terríveis dores, o filho fazia com que o sofrimento do seu pai continuasse mais ainda.

Os gritos, as lamentações, os pedidos de perdão, o arrependimento de ter vindo ao mundo, o desejo que Deus o levasse logo, as inquietações sobre a cama, causadas pelas dores que lhe perseguiam, tudo isso era chocante, principalmente, para quem assistia aquilo pela primeira vez. "- Meu grandioso pai celestial, o que fiz de errado para sofrer tanto antes da minha morte?!!".

Naqueles tempos, a medicina apenas acompanhava o paciente prostático, com alguns medicamentos recém-inventados, no sentido de prolongar a vida do paciente ou o seu sofrimento.

A colaboração que o Chico dava ao sofrimento do velho pai era de não extrair a urina no momento em que ele começava a reclamar das dores que lhe atacavam, e ele pedia a ajuda ao filho, porque a sua bexiga já estava cheia de urina e não suportava mais. Bexiga cheia, já incomodando, lá pelo o quarto, o velho Leocádio metia o grito, para que o Chico fosse extrair a urina da sua bexiga.

- Ou Chico meu filho, vem tirar a urina do teu pai que já não aguenta mais tantas dores! Vem, Chico meu filho!

E lá de dentro respondia o Chico:

- Calma velho, calma, eu já estou indo para tirar a sua urina!

Daí a pouco as dores começavam a incomodá-lo mais forte ainda. E o velho tornava a invocar o filho com mais precisão:

- Vem logo meu filho, o teu pai está se acabando com dores.

E o Chico respondia-lhe usando as mesmas palavras:

- Calma velho, calma, eu já estou indo para tirar a sua urina!

E com este consolo "calma velho, calma, eu já estou indo!", levava um bom tempo para socorrer o velho pai.

Quando o pai solicitava a sua presença e se Chico o atendesse sem demora, com certeza, levaria um bom tempo para que o velho permanecesse sem dores.

Mais uma vez o velho Leocádio pedia a presença do filho, pois estava se acabando com dores.

Agora sim, o Chico dava início ao trabalho da extração da urina no velho, e assim que terminava a cirurgia caseira, perguntava-lhe:

- As dores já passaram, meu velho?

Aliviado, o velho Leocádio respondia-lhe:

- Graças ao meu grande Deus, meu filho, as terríveis dores foram para os quintos dos infernos! - Dizia ele se sentindo aliviado.

O Chico querendo criticar um pouco do pai já que quem cuidava bem ou mal dele era ele, perguntava-lhe:

- Quem pode mais do que Deus, Velho?

Não tendo outra solução, que realmente naquele momento fora aliviado das dores através dele, respondia-lhe o velho como um agradecimento:

- É você, meu filho Chico!

Durante muitos anos perdi o contato com o Chico, que na época já passava dos cinquenta. Mas tive notícias que ele morreu rodeado de dores, assim como o seu velho pai.

Quem maltrata pai um dia será maltratado por outros também. Pai é pai. É aquele que desde o nascimento do filho que batalha por alimento, saúde, roupas e ai daquele que tentar botar a sua mão maligna sobre o filho. E quando o filho cresce, maltrata-o de todas as formas

Mas ainda existem filhos bons, que estão sempre acompanhando os cabelos brancos do seu velho pai.

Minhas Simples Histórias

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