sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

RELEMBRANDO O AMIGO RAIMUNDO FELICIANO.

O DIA EM QUE NÓS FOMOS DESPEDIDOS DA CASA DE MENORES MÁRIO NEGÓCIO.
Por: José Mendes Pereira
Meu amigo e irmão Raimundo Feliciano, você se foi para "Casa do Senhor" e não voltará, lugar que eu também penso chegar lá um dia. Vou, mas não por espontânea vontade.
Ainda recordo como se fosse hoje numa manhã ensombrada pelas nuvens sem previsões de chuvas, o dia em que a nossa diretora dona Caboclinha nos chamou em sua diretoria e nos comunicou que, aquela boa vida que nós tínhamos antes, naquela Casa de Menores Mário Negócio, havia chegado o fim, pois nós não tínhamos mais direito de continuarmos como internos daquela instituição, alegando-nos a nossa maioridade, por ser uma escola que abrigava alunos até que completasse 18 anos. Mas nós dois já havíamos ultrapassados os 20 anos de idade, e ela passou a não nos ver ali, a instituição era do governo e nós não tínhamos para onde irmos. Mas nem tudo é como a gente pensa. Ela foi obrigada mesma contra vontade de nos mandar embora.
O mês era novembro. O dia, se não me foge a memória, 26, mas o ano não tem como fugir da minha mente, foi em 1970, e neste mesmo ano, havíamos terminado o os nossos cumprimentos com o TG - Tiro de Guerra em Mossoró.
Aquela notícia de imediato era como se a gente tivesse sido atingido por uma perversa punhalada. O que era bom antes, agora seria difícil para procurarmos um lugar seguro, onde nós pudéssemos conviver em família. Os que ali ficaram não sabiam bem se o nosso amanhã iria nos dar alimentos ao redor de outros que talvez substituíssem as nossas amizades de antes.
Lembro-me que a nossa convivência naquela casa seria até quarta-feira que se aproximava. Você com seu jeito engraçado, apoderado daquele violão do Chico Pompilo, que com ele fazíamos as nossas serenatas, pôs-se a cantar uma música de Roberto Carlos, a qual estava sendo a mais tocada nas emissoras de rádio.
Após a nossa saída de lá você tomou rumo aos seus familiares e como sempre foi responsável, trabalhou durante muitos anos com a família Negreiros, só a deixando quando os Negreiros mais velhos partiram para a eternidade.
Assim como eu você também foi um que passou pela Editora Comercial S/A. Sei que foi por pouco tempo, porque a sua profissão não era manusear aquele quebra-cabeças, de juntar letras por letras, para formar palavras ou conteúdos inteiros.
Eu não quis voltar para os meus familiares porque de lá eu já tinha vindo, e a solução foi me alojar no Sindicado da Lavoura de Mossoró, hospedagem adquirida pelo meu pai, Pedro Nél Pereira, que era um dos membros da diretoria daquela instituição sindical.
A primeira noite em que dormi lá senti-me como se fosse um sujeito rejeitado por Deus, pela sociedade, pelos amigos, sem pai, sem mãe e irmãos ao meu lado. Deitei-me e fiquei a olhar o teto, imaginando o teto que eu havia deixado para trás, seguro, com alimentação na hora certa, acompanhado de uma porção de amigos. Eu ali sentia uma solidão que só eu sabia. Em alguns momentos levantei-me, fui até à porta e fiquei observando os transeuntes, que àquelas horas ainda passavam para suas casas.
Eu, em segredo, pelas rótulas da porta da frente, observava aquele movimento bastante restrito de pessoas que se deslocavam, e de repente, vinha um senhor bastante bêbado ocupando toda a Rua Almirante Barroso, e em suas mãos, um objeto. Vi de imediato que era um cabresto, talvez para recolher um dos seus animais.
As horas já se passavam, mas eu não tinha a mínima ideia o que os relógios da humanidade marcavam naquele momento. Lembrei-me da matriz de Nosso Senhora da Conceição e resolvi sair fora para ter ideia que horas o relógio da Igreja assinalava. E vi que os enormes ponteiros marcavam 2 horas da manhã. Retornei à rede e fiquei imaginando o que seria de mim no dia seguinte, onde eu iria tomar o primeiro café do dia, almoçar, e posteriormente o jantar. Mas finalmente, minutos depois, eu adormeci, só acordando quando a assistente do dentista do sindicado (Dr. João Falcão), Maria Da Paz chegou para dar início aos seus trabalhos rotineiros.
Vivi dias e noites difíceis, alimentando-me muito mal, e se eu almoçava (na Churrascaria do Batista, na Alberto Maranhão com o cruzamento da Almirante Barroso), às vezes eu não jantava, por falta de dinheiro; eu ainda não era gráfico profissional e ganhava muito pouco. Foram dias, meses tentando me adaptar a nova vida que eu havia ganhado.
Neste período de sofrimento eu era aluno do Ginásio Municipal de Mossoró, e que muitas vezes, frequentei àquela escola sem jantar, mas nunca cheguei a nenhum dos meus amigos para contar o que estava se passando comigo. E para amenizar um pouco a falta de alimento em minha barriga, fumaça, fumaça, e feito isso, o que me maltratava no momento, havia desaparecido, só retornando as mesmas crises horas depois.
Quando o meu pai me visitava no meu local de trabalho me perguntava sobre o meu passadio, se eu estava comendo todos os dias, se eu jantava, tomava café..., se eu estava necessitando de roupas e calçados. Mas eu o deixava sossegado, em paz, sem aperreios, para que ele, minha mãe e meus irmãos dormissem as noites inteiras sossegados.
Devido a minha situação difícil em alguns momentos pensei em retornar ao campo, voltar a viver àquela vida de camponês, trabalhando na agricultura, nos carnaubais, acordar três horas da madrugada para fazer empilhamentos das palhas das carnaubeiras, cuidando das criações, campeando o minúsculo rebanho de gado que o meu pai possuía, carregando água em ancoretas sobre o lombo de animais, ou sobre o meu próprio ombro. Mas me veio o medo de passar por covarde, fraco, sem esperanças, desprovido de fé em Deus. E depois de imaginar tudo isto, decidi-me, tentar, valia a pena, desistir do sofrimento não era uma boa opção. Que eu seguisse o caminho para ver aonde iria chegar, do jeito que Deus havia determinado para mim.
Para tomar intimidade com esta nova vida levei muitos dias,.., e como sempre Deus está perto de nós, felizmente, um funcionário que trabalhava comigo na Editora Comercial, José Nogueira, filho de Aldenor Nogueira, resolveu ir morar em Natal, e a partir daí, fiquei assumindo o seu lugar, e passei a ganhar de igualdade com os outros profissionais.
Sofri muito, mas tudo que passei valeu a pena. Estudei e sou formado pela Universidade Regional do Rio Grande do Norte - FURRN, nos dias de hoje, UERN. Já estou aposentado pela Secretaria de Educação. Foi uma prova dada por Deus. Venci todos os obstáculos que um ser humano tem que enfrentar para contar a sua história. Hoje estou amparado pela divina graça do Deus todo poderoso.
Adeus, mano Raimundo Feliciano! Um dia a gente se encontra novamente, mas desta vez na casa do Senhor. A estrada poderá ser outra, mas o caminho é exatamente o mesmo que você seguiu.
Raimundo Feliciano faleceu no dia 21 de fevereiro de 2019
LEIA O QUE ESCREVEU Gilvan Rodrigues Leite Leite:

FALECEU EM MOSSORÓ MEU AMIGO RAIMUNDO FELICIANO DA SILVA (RAIMUNDO DA AGROTEC).
É com enorme sentimento de pesar que recebo através das redes sociais, a infausta notícia do falecimento do meu velho amigo e companheiro de trabalho RAIMUNDO FELICIANO DA SILVA (RAIMUNDO DA AGROTEC). Nasceu em Mossoró no dia 01/08/1950, era casado há 42 anos com a Senhora Ilza Feliciano, companheira de toda sua vida e pai de Simone e Ciro Eduardo. Na sua infância foi interno da Casa de Menores, nos tempos áureos da gestão de Dona Caboclinha Miranda. Iniciou sua carreira profissional na antiga Casa Negreiros, de propriedade do saudoso Manoel Negreiros. Com o fechamento da Casa Negreiros, passou a laborar na Agrotec - Agro Técnica Máquinas e Motores Ltda., de propriedade do Dr Gabriel Fernandes de Negreiros, onde tive a satisfação de conviver com ele durante dez anos, de 1981 à 1991. Tendo ele, permanecido na aludida empresa até sua aposentadoria, poucos anos atrás, e como trabalhador e vendedor nato, estabeleceu se no segmento de móveis, máquinas e equipamentos usados. É difícil falar de Raimundo Feliciano, sem ser com o sentimento de gratidão, respeito e amizade. Como colega de trabalho sempre foi um professor, um incentivador, um amigo solidário. Como amigo, era amigo na verdadeira acepção da palavra. Companheiro, afetuoso, espirituoso, simples, Alegre e constante nas horas de lazer e tb nos momentos difíceis. Deixa viúva uma grande mulher, Dona Ilza Feliciano, os filhos Simone e Ciro Eduardo e um neto. Neste momento de profundo pesar, faço chegar às família enlutada minhas condolências, pedindo à Deus que o receba no Reino Eterno".
Minhas Simples Histórias
Se você não gostou da minha historinha não diga a ninguém, deixe-me pegar outro.
1 - Raimundo Feliciano e José Mendes Pereira ex-internos da Casa de menores Máreio Negócio;
2 - Igreja de Nossa Senhora da Conceiçã - diocesedemossoro.blogspot.com
3 - Granjaceara.blogspot.com;
4 - Raimundo Feliciano e José Mendes - ex-internos da Casa de Menores Mário Negócio – Foto do acervo do autor;
5 - Tiro de Guerra de Mossoró - jotamariatirodeguerra.blogspot.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário

MORTE DO CANGACEIRO BRIÓ.

  Por José Mendes Pereira   Como muitos sertanejos que saem das suas terras para outras, na intenção de adquirirem uma vida melhor, Zé Neco ...