quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

SEU GALDINO FAZ COVARDIA COM O SEU MELHOR AMIGO LEODORO GUSMÃO

Por José Mendes Pereira - (Crônica 09)

Seu Galdino - http://www.lem.seed.pr.gov.br/modules/galeria/detalhe.php?foto=161&evento=37

Entre os sertanejos existe uma relação extraordinária. Nenhum deles, ali, nega o empréstimo, que geralmente, são objetos usados no dia a dia do camponês, cela, cangalha, chocalho, enxada, foice, machado, ou até mesmo animal para carregar algum material de um lugar para outro.

Seu Galdino não andava muito satisfeito com o seu compadre Leodoro Gusmão. Um ano já passado, havia lhe emprestado o seu famoso jumento de nome “Farrista” (ganhara este apelido “Farrista” porque quando ele queria namorar, cerca nenhuma o segurava), para que ele fizesse o transporte de milhos secos na espiga do seu roçado para a noite da debulha em sua residência, mas até o momento, ele não devolvera o seu animal.

Já eram quase 6:00 horas da noite. Sentado sobre o terreiro da casa grande seu Galdino reclamava a dona Dionísia sua esposa, sobre o animal que não mais recebera das mãos do seu Leodoro:

- Minha velha Dionísia, não sei qual é a intenção do compadre Leodoro com “Farrista”. Já se foram mais de ano, e ele nem fala o dia que me devolverá o meu animal. Já houve a debulha, já ensilou todo legume, já vendeu legumes, e nada do meu jumento aqui. Sempre estou precisando dele...

- Meu velho Galdino, interrompeu-o dona Dionísia, tenha calma! Eu sei que já faz mais de ano que você emprestou o jumento, mas saiba que ninguém é direito por completo. Se você falar sobre isto a alguém, o que irá acontecer, é que ele irá saber, porque o mundo é cheio fuxico, aliás, melhor dizendo, o mundo é mais perfeito do que tudo, o ser humano é que é um verdadeiro leva e trás. Eu acho que o melhor é deixar pra lá, um jumento não vale quase nada...

- Não vale nada, Dionísia? – atalhou seu Galdino com ignorância. O meu jumento vale tanto quando uma vaca boa de leite, porque com ele eu posso passar-lhe uma cangalha, ir ao campo, trazer águas em ancoretas, trazer lenhas em cambitos, carregar milho, ele mesmo me carregar, e você acha que uma vaca fará isto, com aquele andar dela todo desajeitado?

- Certo, meu velho, certo, mas o melhor é não entrar em desavença com vizinho, para não acontecer uma intriga. É aguardar o dia que ele irá devolver o seu animal.

- Mas você sabe, Dionísia, eu sempre estou precisando do animal, e ele faz de conta que nem se lembra disso, que o “Farrista” deveria já ter sido a mim entregue.

Para não criar um clima de discussão entre os dois porque seu Galdino era cabeça dura, dona Dionísia saiu de mansinho, dizendo-lhe que iria cuidar do jantar na cozinha, mas logo retornaria para ficar ali, ao seu lado.

Depois que a dona Dionísia saiu da sua companhia seu Galdino ficou resmungando sozinho, que seu Leodoro estava pensando que o jumento era dele! Dele uma ova, o jumento era seu! E que ele o devolvesse o quanto antes possível, porque do contrário, iria lhe fazer uma coisa, e com certeza, ele não  gostaria.

Antes das sete horas da manhã do dia seguinte seu Galdino resolveu ir à cacimba do gado, para ver se durante a noite ela tinha pegado água, porque, ultimamente, devido à falta de chuvas naquela região, ela só enchia mesmo depois de três ou quatro dias, isto sem a usá-la para nada. Se tirasse água antes destes dias, não teria o líquido suficiente tão cedo para resolver os problemas de água.

https://vid305.com/en_US/play/Azvw-mfQnQg/020/Queda
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Ao retornar da cacimba seu Galdino encontrou seu Leodoro montado no “Farrista”, e que vinha da roça, mas sem legumes sobre o lombo do animal.

Ao avistá-lo, imaginou que o dia da vingança tinha chegado, e seria aquele mesmo. E ainda disse consigo: “ – Quem tem com que me pague, não me deve nada!” E aproximando-se do seu Leodoro Gusmão, parou no meio do caminho, sem nenhuma chance do seu amigo passar.

Seu Leodoro - https://pt.dreamstime.com/imagem-de-stock-royalty-free-homem-do-fazendeiro-da-vila-no-chap%C3%A9u-de-palha-image17126306

E ali, os compadres conversaram muito. Falaram da pouca produção de legumes, também o inverno tinha sido resumido, não houve jerimum, nem melancia, a batata doce não prestava, o pouco pasto que ainda existia não seria suficiente para sustentar o gado sem a compra de resíduo, e que o sofrimento para os sertanejos, inclusive para eles dois, aquele ano seria muito difícil, enfim, falaram tudo.

Daí a pouco, seu Galdino resolveu vingar a não devolução do animal por seu Leodoro Gusmão, dizendo-lhe:

- Compadre Leodoro – dizia ele com calma - deixa-me dizer uma coisa no ouvido do meu “Farrista”.


- Compadree Galdinooo - fazia seu Leodoro quase dividindo as palavras  em sílabas - esta é a primeira vez que eu ouço alguém dizer que quer dizer uma coisa no ouvido de um jumento. Mas, se o compadre acha que ele irá entender, aí ele fica à sua disposição para contar o que quiser.

http://www.nordestinospaulistanos.com.br/2013/11/o
-maior-amigo-do-sertao-o-jumento-e.html

- Ele entende, compadre Leodoro! Ele entende! O rei do baião, o nosso cantor Luiz Gonzaga do Nascimento, lá da cidade de Exu, das terras pernambucanas, ele disse que o jumento é nosso irmão. E se é nosso irmão, ele entende tudo o que a gente diz. Poderá não falar, mas entende.


E aproximando-se do “Farrista” seu Galdino encostou-se ao ouvido do jumento, e fez que estava contando algo a ele. Mas ele não disse si quer uma palavra. Como ele estava fumando, pegou a ponta do cigarro acesa e jogou dentro do ouvido do jumento. Sentindo a dor da queimada dentro do ouvido, causada pela ponta do cigarro, o jumento pôs-se a pular, e logo, levou seu Leodoro Gusmão ao chão, que teimosamente, tentava se equilibrar sobre a cela do jumento. Mas o que seu Galdino queria, era que o jumento derrubasse seu Leodoro e tomasse rumo para a sua casa. E assim foi feito. Quando seu Leodoro caiu de cima dele, “Farrista” fez carreira em busca da casa do seu dono Galdino.  

http://mapio.net/pic/p-50206103/

Ao se levantar do chão, irritadíssimo,  seu Leodoro perguntou ao seu Galdino:

- Homem, que diabo o senhor disse ao jumento me causando esta grande queda?

- O que eu disse a ele nem precisava ter lhe derrubado. – Disse seu Galdino satisfeito com o péssimo feito contra o seu amigo.

- Mas pelo amor de Deus, me diga o que foi que o senhor disse a ele?

- Eu só fiz dizer a ele que a mãe dele morreu, compadre Leodoro. Só isso e mais nada!

- Mas compadre, por que o senhor disse isso a ele?

Chateado, saiu seu Leodoro em busca de casa a pé, e com ódio, disse consigo mesmo: “- Eu nem sei o porquê de ainda considerar um homem deste! Quando não está mentindo, só faz coisas para prejudicar os outros!

Seu Galdino também foi para casa, mas por outro caminho. Quando ele chegou em sua casa, o jumento já estava na porteira do curral tentando entrar. E ao chegar perto dele, disse:


- Nunca mais vá ali na casa daquele velho imundo, ouviu Farrista! Ouviu, Farrista! E eu brinco!

 http://josemendespesquisador.blogspot.com

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