Por José Mendes Pereira - (Crônica 09)
Entre os sertanejos existe uma
relação extraordinária. Nenhum deles, ali, nega o empréstimo, que geralmente,
são objetos usados no dia a dia do camponês, cela, cangalha, chocalho, enxada,
foice, machado, ou até mesmo animal para carregar algum material de um lugar
para outro.
Seu Galdino não andava muito
satisfeito com o seu compadre Leodoro Gusmão. Um ano já passado, havia lhe emprestado
o seu famoso jumento de nome “Farrista” (ganhara este apelido “Farrista” porque
quando ele queria namorar, cerca nenhuma o segurava), para que ele fizesse o
transporte de milhos secos na espiga do seu roçado para a noite da debulha em
sua residência, mas até o momento, ele não devolvera o seu animal.
Já eram quase 6:00 horas da
noite. Sentado sobre o terreiro da casa grande seu Galdino reclamava a dona Dionísia
sua esposa, sobre o animal que não mais recebera das mãos do seu Leodoro:
- Minha velha Dionísia, não sei
qual é a intenção do compadre Leodoro com “Farrista”. Já se foram mais de ano,
e ele nem fala o dia que me devolverá o meu animal. Já houve a debulha, já
ensilou todo legume, já vendeu legumes, e nada do meu jumento aqui. Sempre
estou precisando dele...
- Meu velho Galdino,
interrompeu-o dona Dionísia, tenha calma! Eu sei que já faz mais de ano que
você emprestou o jumento, mas saiba que ninguém é direito por completo. Se você
falar sobre isto a alguém, o que irá acontecer, é que ele irá saber, porque o
mundo é cheio fuxico, aliás, melhor dizendo, o mundo é mais perfeito do que
tudo, o ser humano é que é um verdadeiro leva e trás. Eu acho que o melhor é
deixar pra lá, um jumento não vale quase nada...
- Não vale nada, Dionísia? –
atalhou seu Galdino com ignorância. O meu jumento vale tanto quando uma vaca
boa de leite, porque com ele eu posso passar-lhe uma cangalha, ir ao campo,
trazer águas em ancoretas, trazer lenhas em cambitos, carregar milho, ele mesmo
me carregar, e você acha que uma vaca fará isto, com aquele andar dela todo desajeitado?
- Certo, meu velho, certo, mas o
melhor é não entrar em desavença com vizinho, para não acontecer uma intriga. É
aguardar o dia que ele irá devolver o seu animal.
- Mas você sabe, Dionísia, eu sempre
estou precisando do animal, e ele faz de conta que nem se lembra disso, que o
“Farrista” deveria já ter sido a mim entregue.
Para não criar um clima de
discussão entre os dois porque seu Galdino era cabeça dura, dona Dionísia saiu
de mansinho, dizendo-lhe que iria cuidar do jantar na cozinha, mas logo
retornaria para ficar ali, ao seu lado.
Depois que a dona Dionísia saiu
da sua companhia seu Galdino ficou resmungando sozinho, que seu Leodoro estava
pensando que o jumento era dele! Dele uma ova, o jumento era seu! E que ele o
devolvesse o quanto antes possível, porque do contrário, iria lhe fazer uma
coisa, e com certeza, ele não gostaria.
Antes das sete horas da manhã do
dia seguinte seu Galdino resolveu ir à cacimba do gado, para ver se durante a
noite ela tinha pegado água, porque, ultimamente, devido à falta de chuvas
naquela região, ela só enchia mesmo depois de três ou quatro dias, isto sem a
usá-la para nada. Se tirasse água antes destes dias, não teria o líquido suficiente
tão cedo para resolver os problemas de água.
https://vid305.com/en_US/play/Azvw-mfQnQg/020/Queda
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Ao retornar da cacimba seu
Galdino encontrou seu Leodoro montado no “Farrista”, e que vinha da roça, mas
sem legumes sobre o lombo do animal.
Ao avistá-lo, imaginou que o dia
da vingança tinha chegado, e seria aquele mesmo. E ainda disse consigo: “ –
Quem tem com que me pague, não me deve nada!” E aproximando-se do seu Leodoro
Gusmão, parou no meio do caminho, sem nenhuma chance do seu amigo passar.
Seu Leodoro - https://pt.dreamstime.com/imagem-de-stock-royalty-free-homem-do-fazendeiro-da-vila-no-chap%C3%A9u-de-palha-image17126306
E ali, os compadres conversaram
muito. Falaram da pouca produção de legumes, também o inverno tinha sido
resumido, não houve jerimum, nem melancia, a batata doce não prestava, o pouco
pasto que ainda existia não seria suficiente para sustentar o gado sem a compra
de resíduo, e que o sofrimento para os sertanejos, inclusive para eles dois,
aquele ano seria muito difícil, enfim, falaram tudo.
Daí a pouco, seu Galdino resolveu
vingar a não devolução do animal por seu Leodoro Gusmão, dizendo-lhe:
- Compadre Leodoro – dizia ele
com calma - deixa-me dizer uma coisa no ouvido do meu “Farrista”.
- Compadree Galdinooo - fazia seu
Leodoro quase dividindo as palavras em sílabas - esta é a primeira vez que
eu ouço alguém dizer que quer dizer uma coisa no ouvido de um jumento. Mas, se
o compadre acha que ele irá entender, aí ele fica à sua disposição para contar
o que quiser.
http://www.nordestinospaulistanos.com.br/2013/11/o
-maior-amigo-do-sertao-o-jumento-e.html
- Ele entende, compadre Leodoro!
Ele entende! O rei do baião, o nosso cantor Luiz Gonzaga do Nascimento, lá da
cidade de Exu, das terras pernambucanas, ele disse que o jumento é nosso irmão.
E se é nosso irmão, ele entende tudo o que a gente diz. Poderá não falar, mas
entende.
E aproximando-se do “Farrista”
seu Galdino encostou-se ao ouvido do jumento, e fez que estava contando algo a
ele. Mas ele não disse si quer uma palavra. Como ele estava fumando, pegou a
ponta do cigarro acesa e jogou dentro do ouvido do jumento. Sentindo a dor da
queimada dentro do ouvido, causada pela ponta do cigarro, o jumento pôs-se a
pular, e logo, levou seu Leodoro Gusmão ao chão, que teimosamente, tentava se
equilibrar sobre a cela do jumento. Mas o que seu Galdino queria, era que o
jumento derrubasse seu Leodoro e tomasse rumo para a sua casa. E assim foi
feito. Quando seu Leodoro caiu de cima dele, “Farrista” fez carreira em busca
da casa do seu dono Galdino.
http://mapio.net/pic/p-50206103/
Ao se levantar do chão,
irritadíssimo, seu Leodoro perguntou ao
seu Galdino:
- Homem, que diabo o senhor disse
ao jumento me causando esta grande queda?
- O que eu disse a ele nem
precisava ter lhe derrubado. – Disse seu Galdino satisfeito com o péssimo feito
contra o seu amigo.
- Mas pelo amor de Deus, me diga
o que foi que o senhor disse a ele?
- Eu só fiz dizer a ele que a mãe
dele morreu, compadre Leodoro. Só isso e mais nada!
- Mas compadre, por que o senhor
disse isso a ele?
Chateado, saiu seu Leodoro em
busca de casa a pé, e com ódio, disse consigo mesmo: “- Eu nem sei o porquê de
ainda considerar um homem deste! Quando não está mentindo, só faz coisas para
prejudicar os outros!
Seu Galdino também foi para casa,
mas por outro caminho. Quando ele chegou em sua casa, o jumento já estava na
porteira do curral tentando entrar. E ao chegar perto dele, disse:
- Nunca mais vá ali na casa
daquele velho imundo, ouviu Farrista! Ouviu, Farrista! E eu brinco!
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